terça-feira, 13 de setembro de 2011

Último dia de Ramadan

Dia de festa! No dia anterior, eles estavam eufóricos, ansiosos. O Mushtafa, dono da nossa House Boat, disse pra mim que o último dia de Ramadan pra eles é como o Natal pra nós cristãos. Dia de festa, dia que tudo para, todo mundo se arruma, as famílias se reunem nas casas depois da cerimônia na Mesquita pra almoçarem todos juntos, todo mundo feliz - também depois de todo esse tempo sem comer. Quando acordamos, eles já estavam arrumados, prontos pra ir pra Mesquita. O pequeno Ibraham (vou por uma foto com ele pra vocês verem, porque ele é a coisinha mais amada) já tava todo lindo, arrumadinho pra ficar em casa e esperar todo mundo pro almoço! Aqui não é que nem nas nossas missas que as mães levam as criaturas e elas ficam correndo no meio do silencio coletivo ou chorando alto. Os homens da casa já estavam todos arrumadinhos, de banho tomado e com uma roupa branca linda com aquele chapéuzinho branco que é uma graça. Tão bonitos, todos de branco.


Ibraham - tão legal falar esse nome. O Ibraham é filho do Mushta.

O Mushta (apelidinho nosso) aconselhou a mim e a Ju a ficar, ele disse que não era o melhor ambiente pra moças estrangeiras e sorridentes. Quando ele saiu, trocamos aquele olhar maroto e dissemos: aai eu vou! aai eu também! Lá fomos nós.. Peguei o maior lenço que eu tinha e me tapei o máximo que eu pude, era a única condição pra que pudessemos entrar na mesquita - droga, logo hoje que queria estreiar minha sainha nova  com meu biquini de buzios.. droga - haha.


Ai só mais uma fotinho dele pra vocês, porque ele é taaaao fofinho!

O ricksaw só ia até um pedaço e a partir de lá fomos a pé. As cenas que meus olhos viram, eu jamais desejei ter visto. Já tinha escutado muitos depoimentos sobre os pedintes na India, que eles usavam suas doenças e crianças pra pedir por dinheiro. Mas pela minha cabeça nunca passou nada igual. Eu estava completamente perplexa andando no meio daquelas pessoas. Um misto de ânsia de vômito com raiva e compaixão ao mesmo tempo. Ânsia de vômito porque o cheiro era forte e porque as cenas eram horríveis; raiva porque em alguns momentos eu duvidei que fosse verdade e achei que eles estavam maquiados e gritando pra chamar a atenção - eu não queria acreditar que aquilo era verdade; e compaixão, bom essa dispensa comentários.. eu tinha vontade de recolher aquela gente, levar tudo pro HCPA e encher eles de morfina, vontade de tirar a dor daquela gente com a minha mão. E ao mesmo tempo eu estava tão impotente diante daquele horror. Eu não podia tocar ninguém, pelo contrário, a gente fugia das pessoas. O Francis ficou desesperado, porque vários deles tocaram ele e a gente achava que podia ser lepra ou algo assim, ficou apavorado. Mas enfim, a pior parte era ter que andar de olhos abertos.. e aquela P**** daquela mesquita não chegava nunca.. eu queria correr, fugir daquele horror.



A última cena não saiu da minha cabeça aquele dia

Chegamos finalmente, me senti no céu.. do inferno pro céu. Meninas para um lado, Francis para o outro. O Francis já logo fez amizade e saiu conversando com um indiano que depois ele contou que ensinou ele a rezar, o Omer. Eu e a Ju seguimos pro lado das moçoilas. Aquele colorido lindo de ver. Todas sentadinhas, comportadinhas e curiosas. Tchê eu toda tapada e ainda assim todas elas nos olhavam como se nós brilhassemos no meio da multidão. Também, branca do jeito que eu to não duvido..



p.s. (é, aqui no meio mesmo): Gente, vocês vão me desculpar, mas eu não to escrevendo tudo certinho justamente pra dar a entonação Luiza na fala, sacou? Jeitinho Lu de falar hahah

A gente deu uma volta por lá, sentamos um pouquinho com elas e depois decidimos voltar pra entrada porque combinamos nos encontrar em meia hora. Chegamos lá, sentamos na grama e começou uma correria! E foi se formando uma fila atrás da outra.. todos em pé, de branco (apenas os homens, as mulheres continuaram lá sentadinhas bem longe dos macho), apressados, sem sapatos com pé no chão. E então começou a reza.. Uma unica voz falando em microfone e então todos em coro repetiam alguma coisa (adoro meu jeito super específico de descrever a cerimônia haha). Todos juntos se curvaram. Todos juntos se ajoelharam. Todos juntos levantaram. Todos juntos repetiram. Tão lindo! A dedicação deles, a entrega naquele momento! Mais de 60 mil pessoas reunidas pela religião, celebrando depois de 1 mês inteiro de jejum.. tudo pela religião.



No Brasil é tão diferente.. o brasileiro não deixa de comer por religião nem reza copiosamente sem questionar. Brasileiro acredita em tudo um pouco - e respeita todas as religiões. Reza Pai Nosso, acredita em espiritos, medita, faz macumba, e quando precisa ascende vela pro Santo que a vizinha recomendou, incenso pro anjo sei lá quem, poe moedinha embaixo do Buddha, umas velas vermelhas pros Orixás e mata a galinha e joga na esquina, vai que rola né? "Não custa tentar" já diria qualquer brasileiro que se honre.

Quando terminou a cerimônia, voltamos e passamos por aquele horror de novo. Tentamos achar um ricksaw que nos levasse de volta pra casa, mas não sabíamos o nosso endereço hahah foi aí que encontramos o Mushtafa e ele nos levou pra casa, eu e a Ju, porque o Francis resolveu subir naqueles ônibus com gente pendurada pelas janelas e foi em cima do ônibus. Quando chegamos em casa, tinha almoço e as pessoas eram tão felizes. Por três dias era todo mundo nas ruas, festejando, buzinando (tá isso ai nao mudou muito né), soltando foguetaços na rua, e as crianças enlouquecidas com ARMAS atirando em todo mundo (bala de borrachinha, vale salientar - mas doía igual, of course), inclusive na gente. O almoço eu não pude comer, e depois da Kashimira eu nunca mais consegui comer arroz aqui - o arroz aqui é bem diferente do nosso arroz soltinho, branquinho, cheiroso, gostoso.. ai ai, enfim - e nem aqueles molhos fortes deles. De uma hora pra outra fiquei fresca e passei a odiar a comida deles. Mas não se preocupem, agora que voltei pra Bangalore e fomos nos bons restaurantes daqui, eu to curada! Mas arroz não rola mais..

Francis brincando de indiano!

Vê se isso é brincadeira pra um piá dessa idade..

Foi um dia muito intenso..

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